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Lembranças da Páscoa

A Páscoa sempre foi um evento familiar marcante. A família Aravena Cortes tinha uma religiosidade particular, mamãe Patrícia, filha de um comunista chileno de carteirinha, fez primeira comunhão escondida dos pais, não era muito de ir à igreja, mas quando precisava de uma força extra, não titubeava em pedir diretamente para o divino. Já meu pai, Alfredo, não gostava de rezas, um engenheiro materialista, à sua maneira, se alinhava na concepção da religião como o “ópio do povo”, entretanto,  no dia de seu enterro viemos a saber que ele fora coroinha na infância, meu tio Miguel que nos contou – deve ter acontecido algo sério para ele ter ficado muito chateado com a igreja-,  mas papai sempre respeitou as opções espirituais de todos e acompanhava dona Patrícia em todas as suas promessas, uma delas feita em um domingo de Ramos, quando ela pediu um segundo filho. Nove meses depois chegou minha irmã… Meu pai nos deixou nas primeiras horas de um domingo de Páscoa, há dois anos, mas também, num domingo de Páscoa, alguns quantos anos atrás, o meu amor me ligou, e, claro, não posso deixar de dizer, que minha pequena Renata chegou em uma semana Santa.

Coincidências? Como boa junguiana, não acredito em coincidências e, como pesquisadora dos saberes ancestrais, acredito no ciclo da vida.

papai no casorio

Sr. Alfredo, no casório da filhinha, morrendo de frio, mas com sua impagável presença de espírito

Compartilho estas histórias familiares para lembrar que a força da vida aponta sempre para a renovação. Há muita coisa errada na cidade,  no país e no mundo, mas o grande terreno da transformação está no interior de cada um. Não se muda o mundo se eu já cristalizei as minhas verdades, se eu não mudo uma vírgula do meu pensamento, nem das minhas ações.

Feliz renovação!

Feliz renascimento!

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Notas de uma viagem a um universo paralelo

Andei sumida durante meses, isto ocorreu por absoluta falta de tempo para a escrita, pois dediquei-me a uma das tarefas mais singulares da vida: cuidar de uma criança. Andei cuidando da minha bebê recém-chegada à família.

Depois de 25 anos dedicados à vida acadêmica, voltei o meu cotidiano ao mundo dos bebês, zelando pela comida, prestando atenção no sono, na respiração e, claro, limpando xixi e o cocô. Olhando aspectos básicos do corpo, como se sabe, mas que depois de dominados,  tornam-se “automáticos”. Depois que crescemos e entramos no mundo da cultura, esquecemo-nos dessa dimensão natureza da vida, só voltamos a ela se algo deixa de funcionar.

Passar meses descobrindo uma criatura frágil em um corpinho pequenino tornou-se uma experiência  muito mais bacana do que eu poderia jamais imaginar

Eu, muito ligada às letras, tinha medo de bebês, lembro que eu falava que queria um bebê que já nascesse falando. A possibilidade do baby chorar e eu não saber o que fazer era o meu pior pesadelo, como se a comunicação precisasse necessariamente da palavra. Apesar dos meus pedidos, minha menina, não chegou falando.

Há cocô, xixi, tudo isso, mas acompanhar uma criança te permite entrar em um universo paralelo, como disse minha amiga Carol, ao ingressar no seu mundo, ela te convida a percebê-lo como se fosse a primeira vez, a sua surpresa com a água que jorra na fonte, a admiração com os cachorros, borboletas, sapos e joaninhas. Sentir a gostosura do vento,  um sustinho com o mar. Também é o viver a vida no presente, pois a sede ou a fome existe agora, elas não entendem o depois, nem se ligam ainda ao que já foi.

Ela nos relembra que as experiências passam o corpo, a morada de nossa existência e que tudo na vida é um processo, não sem sobressaltos, o primeiro passo, ocorreu depois de várias quedas.  Pode dar trabalho, mas adulto que não terceiriza a função e se permite entrar neste universo paralelo ganha muito na viagem.

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A beleza dos 40

Hoje minha irmã, minha eterna companheira, celebra seu aniversário, completa 40 anos, e em homenagem a esta data importante decidi republicar um texto antigo, de 2010, que gosto bastante.

A vida começa aos 40

Um velho chavão. Quem está no vigor da juventude, longe dos 40, pensa que é uma grande bobagem. Muitos dos que estão nesse limiar proferem essa afirmação sem convicção. Já se sentem os efeitos da gravidade e dos radicais livres: rugas, flacidez e manchas. Essas malvadas não existiam, eis a oxidação dizem os especialistas. Um novo nome para um antigo fenômeno: o envelhecimento.

A idade parece uma doença contagiosa da qual ninguém quer falar. Se a idade chega, que não se vejam os seus efeitos. No nosso mundo, a exigência é ser jovem. Eternamente jovem, se possível. A beleza está do lado da juventude. Beleza significa ter uma pele lisinha, um corpo sarado, uma barriga tanquinho.

A indústria da beleza promete deter os efeitos do tempo: cremes antirugas, anticelulite, peelings, liftings, silicones, lipoaspiração. Existem ainda alternativas para os que querem soluções rápidas e radicais: cirurgias plásticas. Tudo para manter a aparência jovem.

O problema surge, pois não se engana o RG. Quando se está na casa dos 40, já ocorreu o inevitável e agora? o que fazer? A batalha travada é por não parecer, ter 40 com cara (e corpo) de 20, se possível.

Trata-se de um luta para se ajustar a um padrão estético, mas há uma dimensão que não é física. Aos 40, alguma coisa parece não se ajustar. O nosso espírito está jovem. A gente se sente jovem, a despeito dos cabelos brancos insistindo em aparecer…

Como assim? Parece uma brincadeira de mau gosto. Agora que os medos e bobeiras de adolescente já ficaram para trás, que a gente sabe e pode fazer o que deseja, que o salário está bom. Justamente quando há boas conquistas para se desfrutar: independência financeira e maturidade. Bem, não sempre, mas vamos caminhando para isso. O mundo nos coloca que já somos senhoras e senhores, tiazinhas e tiozinhos… e que o movimento não é mais ladeira acima. Atônitos, percebemos que para o mundo já passamos do ponto, “já não temos mais idade”. Não temos idade para vestir mini-saia, para namorar, para começar de novo, enfim a lista de nãos é enorme. O duro é que muita gente se convence disso, entra em pânico ou em depressão.

Ouvimos os nãos na infância e na juventude, o não porque se é mulher, o não porque há responsabilidades. Os anos se passam e a gente passa por eles procurando responder às expectativas do mundo. Ser bela, inteligente e profissional, ter um bom emprego, um namorado, casar, ser mãe, ter belos filhos.

Aos 40 pode ser o momento da virada, da liberdade, da liberação dessas obrigações. Aos 40, a gente já não precisa mais correr atrás da aceitação. Já sabemos que quem gosta da gente, vai continuar gostando.

As amarras dão espaço a um novo o imperativo: de viver melhor.

O tempo passa, é verdade, mas a gente não precisa sofrer com isso. A gente pode aproveitar o tempo que nos resta. Trata-se de escolher é como vai se viver os próximos 40 anos. Com mais prazer, mais alegria, mais paixão, mais amor, mais saúde?
Menos a vontade dos outros, menos sofrimento, menos angústia?

Menos dever, mais querer?

O primeiro dia dos nossos próximos anos começa hoje! E a nossa escolha pode ser agora!

clau e vero

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Sem hora marcada

sem hora marcada fotoO parto, conhecido desde a autora dos tempos como um saber de mulheres, tem sido apropriado pelas ciências médicas e regrado pela indústria da cesárea, em nossa sociedade cada vez mais tomada por fórmulas e remédios que prometem nos livrar do medo e da ansiedade inerente à própria vida.

Desafiando o consenso reinante do parto como cirurgia, algumas mulheres e lutam para se reapropriar do entendimento do nascer. O livro Sem hora marcada realizado a 8 mãos por Anna Carolina Gomes, Guilherme Vitoretti, Letícia Lopes e Renata Ambrosio, conta as experiências de corajosas gestantes e mães que ouviram o próprio corpo, intuíram a sabedoria da natureza e buscaram trazer seus filhos ao mundo sem intervenções desnecessárias, assim como suas mães, avós e todas as mulheres de outros tempos o fizeram. Ao ler seus relatos, sentimos seus medos e anseios, mas também a força e a integridade naquele que é considerado um dos momentos mais sagrados da vida, o nascimento.

Carol, Guilherme, Letícia e Renata , meus orientandos, defenderam ontem seu trabalho de conclusão de curso uma exigência do Curso de Jornalismo da Universidade Metodista de SP; da banca participaram Giovanna Balogh, repórter da Folha de S.Paulo editora do blog maternar* e Marli dos Santos, Coordenadora do Pós-Graduação em Comunicação da UMESP. O tema escolhido foi bastante elogiado, pois nossa sociedade pouco pensa na forma em que estão nascendo as próximas gerações.

Dizemos que realizar um TCC é como parir, são meses de gestação até o filho/produto nascer. A metáfora procede, agora, este produto especial está à procura de uma boa editora para chegar às melhores livrarias para que possa ser compartilhado por todos aqueles interessados em tornar a nossa vida e a das próximas gerações muito melhor.

Uma defesa emocionante, não só pelo tema, nascimentos, mas também porque por essas coisas do destino, foi realizada no dia em que celebrávamos o  aniversário de meu pai.

* http://maternar.blogfolha.uol.com.br/

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Jung, o tarô e o círculo

Compartilho esta ideia de um autor que há anos me acompanha.

Para trilhar a jornada da vida, não raro, mergulho neste estudo.

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Você gosta do que faz?

“Você gosta do que faz?”, perguntou-me uma aluna nestes dias. Parei um segundo para pensar. Revisitei o que faço, preparar e dar aulas,  corrigir provas, semanalmente, avaliar trabalhos e dar retorno aos alunos, que, nada raro, não gostam das minhas observações no texto,  prefeririam que eu lhes dissesse um tranquilizador “tudo certo”, algo que  insisto em não dizer, se não acredito, em um processo que parece não ter fim.

“Sim, bastante”, foi a resposta, posso dizer que tenho prazer no que faço.

Não consigo me imaginar passar horas a fio em um trabalho que não me proporcionasse prazer. Em todas as profissões encontram-se os “ossos do ofício”, a de professor tem muitos,  principalmente neste mundo em que as pessoas acham que só sentar na cadeira  (e olhe lá)  já dá acesso ao conhecimento,  quando não ao diploma; em que o corpo se destaca em lugar do intelecto;  em que as mensagens pipocando no celular parecem muito mais urgentes do que estudar autores que morreram há 100, 200 quando não 2 mil anos. Há momentos que parece uma luta inglória.

Mas perceber a evolução de muitos alunos dá prazer, no fim, encontrar um desenvolvimento ou uma produção que surpreende faz valer a pena.

Com isto em mente percebi que é uma pergunta que toda pessoa adulta deveria se fazer. O que você faz te dá prazer?

O retrato de Dorian Grey, uma imagem da adaptação de 1945

Sei que alguns responderão, “eu, prazer? Nem sei o que é isso? Eu vivo para o trabalho”.

O gosto pelo que se faz é vital para a alma, do contrário fica só um carregar de pedras e engolir sapos diário. Trabalho não é sofrimento, não deve ser, pelo menos, experimentar alguma satisfação nessa área e por que não dizer até instantes de gozo, torna-se fundamental para se ter uma mente saudável. O prazer não pode ser apenas coisa de fim de semana, nem pode só ficar naqueles minutos de êxtase.

A vida sem prazer fica insossa, entra no automático. O autômato, aquele ser que perdeu a sua alma, pois nem sabe mais onde ela está, repete diariamente sua rotina e se deprime só de escutar o som do fantástico no domingão.

Às vezes, fazemos aquelas permutas de Dorian Grey, do romance de Oscar Wilde, minha vitalidade por  uns cobres e ficamos presos nessa teia, não é à toa que tantas pessoas chegam em casa e precisam beber alguma coisa, fumar outra, ingerem remédios, se entregam ao sexo compulsivo sem proteção, enchem a cara de alguma forma buscando um naco de prazer.

“Onde está o seu prazer?” não é uma pergunta fácil,  pois nos questiona as nossas escolhas e respondê-la honestamente implica um novo traçado da rota; sair da zona de conforto dá trabalho e a gente vai se enganando que está tudo bem. A motivação, a energia que motiva a ação se esvaiu.

Ter prazer na vida não é bobagem,  nem é pecado, torna-se até necessário para que as doenças não se instalem, pois trata-se de nosso alimento diário, combustível necessário para a nossa jornada, sem isso, um dia o carro engasga  ou para.

De chirico, Meia noite sob o sol

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Nos giros da roda da vida – uma homenagem àqueles que se foram

pai clau euHá tarefas na vida que jamais imaginamos que vamos a desempenhar, nem queremos pensar nisso, sem sabermos como, um dia estamos com a missão nas mãos.

A roda da vida gira, imperceptivelmente, na maior parte do tempo, em outras o giro é brusco, como a dizer:  Terminou aqui.

Nestes dias de experiências familiares fortes, começamos com a minha irmã a dura experiência de fechar as portas da casa de nossos pais. Vender os móveis,  doar roupas e utensílios,  jogar fora o que não presta. Passar para frente uma casa que abrigou nossas vidas por quase 25 anos. Até o pó da casa tem a nossa história familiar, nossas  lágrimas, nossas risadas, nossas dores, pensamentos, esperanças e projetos.

Ao limpar, repassamos cada canto, cada folha de papel, objetos cotidianos,  bem como aqueles perdidos lá no fundo do baú de nossas lembranças,  aquelas que imaginávamos perdidas para sempre.

OLYMPUS DIGITAL CAMERANo percurso me vi  confrontando aquilo que imaginaram para nós principalmente os pais -que sempre têm muitas ideias para nós…-  com aquilo que fizemos… é bom poder passar a limpo e jogar fora o que não foi.

O momento permite revisitar aquela criança que fomos, pequena, medrosa, frágil, talvez sentir que ela ainda está lá escondida dentro do armário e possamos dizer-lhe:

– Bom te ver, tudo certo. Você era uma menina,  mas foi muito forte e corajosa! Já fez tanta coisa que sequer imaginava!!! Olhe só! !

Como se a vida estivesse a nos colocar uma oportunidade para limpar dores e ressignificar visões, ideias e pensamentos.

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O aprendizado do momento é perceber que tudo um dia chega ao seu fim… A alegria e o sofrimento, até o que parece mais sólido se esvai, parafraseando o filósofo.  No fim, só restam as memórias.

O momento parece estar a dizer-nos, aproveite a vida, lembre que a semente morre para renascer. A vida caminha em ciclos. Nossos avôs  deixaram suas sementes,  nossos pais, e estes a nós, cabe a nós seguir a senda e ir semeando coisas boas.

Papai gostava bastante de plantar, na sua horta no pequeno terraço tinha morangos que saía distribuindo pela vizinhança, como me lembrou Anita, a vizinha do apartamento de cima, mas acho mesmo que ele gostava de árvores e vê-las crescer… Fico muito contente que nos últimos anos ele pode plantar várias, cerejeiras, pessegueiros, atrapalhando o jardim da minha irmã, mas ele era assim mesmo…famila pai

pai + orlando antiga

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Das Senhoras e das tramas do destino

Se há um grande mistério, sem dúvida, este é o destino de cada um. De repente nós tomamos uma estrada, em lugar da outra  e isto muda o rumo de nossas vida, uma pessoa perde o avião e  se livra de um acidente, outra almoça num horário diferente e encontra o amor de sua vida, mas nem precisa tanto, sabemos que ao fazermos certas escolhas o caminho pode nos levar a lugares impensados.

Entre os gregos, as Moiras eram as deusas do destino, elas comandavam a sorte, o quinhão que caberia a cada um. Etimologicamente, a palavra Moira significa parte, lote, quinhão,  aquilo que a cada um coube por sorte, por isso, destino.

As senhoras do destino, como mulheres, elas fiam, o destino é simbolicamente “fiado” para cada um. As Moiras não foram personificadas, pairam acima dos deuses e dos homens, até Zeus, o senhor do Olimpo deve obedecer-lhes, dado que o destino é imutável não podendo ser alterado nem mesmo pelos deuses, menos ainda pelos homens, isto significa que elas representam um lei que nem mesmo os imortais podem transgredir, sem colocar em perigo a ordem universal.

As Moiras são a personificação do destino individual, assim cada homem e cada mulher teria a sua Moira, ou seja, a sua parte, o seu quinhão de vida, de amores, de felicidade, de infortúnios.

No mito, seguindo sua Moira, Helena abandonaria seu reino, Esparta, seu marido, Menelau, e seu filho, para seguir o amor de Paris, levando à guerra gregos e troianos, por sua vez, o belo Aquiles estava fadado a morrer jovem nesta guerra, mesmo não querendo lutar, viu-se no campo de batalha e ao ser flechado no calcanhar encontrou a sua moira.

Essa ideia de Moira impessoal,  universal e inflexível, senhora inconteste do destino transformou-se,  acabando por se projetar em três moiras: Cloto, Laquesis e Átropos. Cloto, a que fia, ela segura o fuso e vai puxando o fio da vida. Laquesis enrola o fio da vida e deve sortear o nome de quem deve morrer. Átropos, a inflexível, é aquela que não volta atrás, ela corta o fio.

O destino desde a aurora dos tempos é um atributo do feminino. A mãe tece seu filho em seu interior, num mágico processo que de uma célula formam-se todos os nossos tecidos, do coração ao cérebro, em cerca de nove meses, quando o rebento estiver pronto virá a luz para iniciar com seus próprios pés, sua trama. O destino conjugado no feminino significa pensar que a nossa transformação vem de mãos dadas com o feminino. As deusas nos acompanham por todo o percurso, mas são sentidas nos momentos cruciais, na chegada e na partida.

Hoje somos tentados a acreditar que nós tecemos o nosso destino, que o traçamos com o nosso quinhão de inteligência, determinação, amor, orgulho ou mesmo vaidade e arrogância. Sinto que a vida, sem o notarmos, é tecida dia a dia, entre linhas e instantes, tramados de diversos coloridos, pontos e linhas. Ponto a ponto, urdida nas escolhas, tramada por nós e pelos deuses que chamamos para nos acompanhar.

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Das agruras do engenhoso Dom Quixote ou das batalhas contra gigantes e moinhos de vento

Nascido no dia 29 de setembro, dia no qual se celebra são Miguel Arcanjo, filho de família de médicos cirurgiões, Cervantes entrou no exército, participou na Batalha de Lepanto contra os mouros, quando ao ser ferido, perdeu os movimentos da mão esquerda, posteriormente corsários aprisionaram seu navio, levando-o a Argel, onde fica cinco anos preso nas masmorras

Fico pensando que experiências e quais figuras teriam inspirado Miguel de Cervantes quando dentro da Cárcel Real de Sevilha, em 1597, por problemas em seu ofício de arrecadador de impostos engendrava seu romance, Dom Quixote de la Mancha, cuja primeira parte foi publicada em 1605.

Cervantes conta a história do engenhoso fidalgo que saiu da região de la Mancha como cavaleiro errante pelo mundo para defender os pobres e oprimidos junto a Rocinante, seu cavalo, e a Sancho Pança, seu fiel escudeiro, a quem promete tornar governador de algum dos reinos que viria a conquistar.

Entre muitas aventuras, combateu gigantes que na verdade eram moinhos de vento, atacou rebanhos de ovelhas pensando digladiar-se contra exércitos inimigos e, não raro, causa mais dano por onde passa do que ajuda àqueles que defende e muito apanha. Em certa empreitada, decide lutar contra  leões,  na verdade, nem chega a lutar, porque o leão não faz caso dele, mas foi o suficiente para convencê-lo de sua superioridade; em outra, ataca um cortejo fúnebre de monges beneditinos que levam o caixão de um irmão para seu enterro em outra cidade. E, quando confrontado com  a realidade, o cavaleiro de triste figura pensa que está sendo enganado por encantadores que se divertem  em ludibriá-lo.

Quantas figuras teriam inspirado Cervantes na construção de seu dom Quixote, pois não raro encontramos pessoas que travam lutas imaginárias pelo bem da humanidade, que se descolam da realidade, recontando sua história, retirando dela suas omissões e frustrações, colorindo-a com monstros, solitários a brigar com todos aqueles que ousam questionar seus gigantes, sentindo-se incompreendidos em suas cruzadas contra a injustiça do mundo, sem perceber que estão lutando contra moinhos de vento, a causar sofrimento por onde passam, mas, principalmente, para si  e suas famílias.

O engenhoso fidalgo enlouqueceu de tanto ler novelas de cavalaria e saiu pela vida  tomado pela fantasia que reinava em sua mente. Este romance tão marcante em nossa tradição traz um tema crucial para todos que caminhamos pela vida, pois há muitos engenhosos que ficam na ilusão ou fantasia para não enfrentar as agruras deste mundo e andam  a imaginar batalhas sendo que a maior batalha está em sua mente que constrói uma trincheira para não ver a própria realidade que se construiu.

Don Quijote de Pablo Picasso

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Os pharmacons da medicina do sonhar

Nestes dias uma amiga sonhou  com uma aranha que lançava um veneno a um urso, ele ficava com muitas bolhas, mas sobrevivia, depois via muitas aranhinhas, não lembro o que seguia. Estas visões a deixavam surpresa com a capacidade da mente produzir visões durante o sono.

No mundo grego antigo, phármakon definia qualquer substância capaz de atuar no organismo, seja em sentido benéfico ou maléfico. Por isso, tanto designava remédio como veneno. E o pharmakeús era um misto de preparador de remédios, mágico e envenenador. Os gregos viam uma irmandade entre veneno e remédio, talvez porque o que não mata fortalece. O termo também nos lembra que na Hélade, há milênios, já se percebia a ambiguidade e a contradição presente na natureza e na vida.

Os pharmacon representam uma visão da medicina ancestral, numa reminiscência desse termo, encontramos a palavra farmácia, o lugar onde contemporaneamente buscamos a cura através de remédios.

Cabe lembrar que durante milênios o saber das plantas foi utilizado e ficou guardado pelas mulheres. Conhecimento este que permitia a cura de muitas enfermidades, mas como tudo o que não se explica, assusta, as mulheres ganharam o estigma de feiticeiras e bruxas.

Por sua vez, a aranha tece, tal como a própria vida é tecida. Um ofício ancestral das mulheres é o tecer, cabe a elas, fio a fio, ponto a ponto, tecer a trama dos tecidos seja de roupas, mantas ou do próprio rebento. A própria tecelagem representa o acalento e a  proteção, funções primordiais do feminino.

Aranha também me lembra a dança da tarântula. Na região do Mediterrâneo, onde hoje vemos o sul da Itália, há mais de dois mil anos, as meninas e jovens, muitas vezes “enlouquecidas” repentinamente eram vistas pelo clã como picadas pela tarântula. Na verdade, a loucura aparecia após sofrerem alguma violência como o abuso sexual, cometido por membros das próprias famílias, que não podia ser denunciado. A irmandade feminina fazia o ritual da tarântula, uma dança só de mulheres, de cura, para sanar e limpar as dores. Eis a origem da tarantela. A dança tem grande poder de cura, quem experimenta sabe como o movimento ao som dos tambores e acordes pode lavar e sanar a alma.

Como andamos desvinculados da natureza assustamo-nos, às vezes, com as imagens que os nossos sonhos trazem, contudo não há animal bom, nem ruim, são representações de ideias, sentimentos  ou forças presentes em conversa ou em conflito no nosso interior. Ideias do mar profundo que buscam sair à luz e nos ajudar para vivermos uma vida melhor do que o que estamos fazendo.

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Uma armadilha na roda viva da vida

Quando a gente olha para o mundo, é fácil notar que certos eventos cegam, principalmente as paixões, seja o amor ou a raiva, contudo tenho percebido que o volume imanejável de trabalho, tarefas e demandas cotidianas também pode nos levar à perda da cabeça.

Nós andamos trabalhando alucinadamente, as pendências se avolumam e sem sabermos como estamos numa roda vida. E aí se instaura o cansaço.

A exaustão é uma péssima companhia, nos faz perder o humor, o eixo e até o juízo. Leva-nos fazer coisas que não faríamos se estivéssemos atentos e alinhados com aquilo que há de mais verdadeiro e íntegro em nós mesmos; a gente pensa que está no controle, contudo não diferencia mais o joio do trigo, não consegue separar aquilo que é importante e do que não é. Além disso, o cansaço nos faz dizer coisas e até magoar pessoas que gostamos. A exaustão nos faz cair nas armadilhas da vida, como ouvir aqueles que estão à espreita para causar cizânia. Se estivéssemos em pleno uso do juízo não o faríamos…

E a gente nem se dá conta de tão cego que está. Muitos nunca se darão conta, pois o orgulho não permite, o ego não gosta de ver que fez bobagem e se defende recriminando o outro. Quem sofre mais são as pessoas que estão mais próximas, não raro a gente faz isso com os nossos amores companheiros e começa um bate boca: “eu fiz tal coisa, porque você fez isso primeiro…”

Nós, mulheres, somos particularmente tentadas a dar conta do mundo, vivemos em uma maratona, achamos que o mundo vai cair se não estivermos na função, não atentamos para o momento de diminuir o ritmo ou mudar a direção. Às vezes, será a doença que mostra que a coisa não vai bem e nos muda abruptamente o rumo.

Já vi muita gente boa perder as rédeas da própria vida.  Ao escrever isso, com pesar, me lembrei de tantas pessoas queridas que se foram, porque em meio às urgências do nosso dia a dia e à nebulosa da exaustão não perceberam que elas precisavam cuidar delas mesmas e se nutrir nas suas relações …

Um desafio permanente é evitar a cegueira, esta tem inúmeras formas, mas vale aquela velha frase, se a coisa não está bem, pare e pense. A vida não é para se ficar na função, mas para ser vivida. Já diziam os gregos, tudo na vida precisa equilíbrio.

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Daquilo que eu vi

Centro da Via Láctea desde o Observatório Mamalluca, no Chile. Fotografia de Miguel Carvajal

Neste dias me peguei fazendo uma retrospectiva de minha jornada por esta escola da vida, nestes meus 46 anos posso dizer que vi algumas quantas coisas.

Vi o sol despontar por trás das montanhas para iluminar nossa estrada.

Vi o entardecer no mar e as estrelas iniciando sua jornada pela noite.

Vi a dor, a angústia e o assombro.

Vi a guerra no interior de uma nação que levou um bando, que se acreditava superior, a buscar exterminar o outro.

Vi a guerra no interior do homem,  aquela que o faz estar em permanente beligerância contra os demais.

Refugiado afegão brinca com bolhas de sabão

Vi o grande poder criativo da humanidade, da transformação do alimento pelo fogo, das mães que contra tudo e todos seguem em frente, ao gênio criativo de Leonardo da Vinci ou do nosso Aleijadinho.

Vi o mistério.

Vi crianças rebeldes de 20, 30, 40 e 60 anos.

Vi egos inflados, vi o orgulho dilacerar famílias, vi a arrogância arruinar vidas.

Vi o amor e a solidariedade.

Vi flores abrindo e sementes brotando. Ainda lembro do meu 1º brotinho de feijão.

Vi girafas, éguas e passarinhas alimentando suas criaturas.

Vi tanta gente se transformar e dar um salto, rumar para enfrentar de peito aberto o desconhecido. 

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O segredo da criação

Leonardo da Vinci, Virgem das Rocas

A arte nos toca, admiramos cada obra de Leonardo da Vinci, cada traço de Picasso, somos embalados pela magia de Giberto Gil, da poesia de Drumond e tantos outros. Um atributo eminentemente humano que nos iguala aos deuses, a arte, contudo parece haver-se distanciado do cotidiano das pessoas, parece talento de seres especiais, dotados de maior sensibilidade e fica  guardada em lugares especiais, nos museus.

Nesta visão, esquecemos que  ao cuidar do jardim,  preparar um saboroso prato, tecer um suéter,  bordar um pano de prato e, sem dúvida, o momento mais mágico, ao gestar um filho, homens e mulheres estão criando.

Não raro, somos nós que podamos as asas da nossa criação, nosso julgamento cai como uma lâmina cortando as nossas ideias, algumas vezes já matamos a semente do projeto “não vai dar certo”, “é muito ingênuo”, “vão dar risada”, pensamos, quando não é alguma dificuldade que nos faz esmorecer e deixamos para lá, afinal “quem disse que ia dar certo?” Em outros momentos, deixamos o trabalho dentro da gaveta, seja porque o texto não está à altura do García Marquez, a pintura não chegou ao nível do Picasso, não alcançamos a expressividade de um Caetano Veloso, enfim. Como se Picasso, Gabo ou Caetano não tivessem sido crianças a brincar com cores, sons e letras. O nosso julgamento  é cruel conosco.

Também ocorre que a gente muitas vezes só quer produzir belezas e se espanta com o que sai, mas criação é muito mais do que produzir belezas, a arte permite dar forma à dor, ao estranho, às angústias, possibilita expressar nossos medos, colorir as sombras e fantasmas que nos assolam. Quem já viu a pintura de Salvador Dali sabe, ele desenhava seus sonhos, um material riquíssimo e perturbador, ao mesmo tempo. E a angústia de Edward Munch em O Grito, um quadro de dimensões pequenas, mas que traduziu sentimentos que assolam  em algum momento a tantos de nós. Imagino que estes autores criavam por absoluta necessidade.

Acima de qualquer coisa, a criação precisa fazer sentido para nós, quando deixa de fazer sentido, ficamos “de mal” com a criação e até a vida parece insossa.

Dalí, A tentação de Santo Antonio (1946)

A arte, como tudo na vida requer treino, dedicação, dizem que o Salvador Dalí acordava e ia para o seu estúdio,  de onde quase não saía,  ele dizia que ele queria que quando as musas o visitassem,  o encontrassem trabalhando… os chefs de cozinha também conhecem este segredo.

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A pergunta do amor

O encontro do amor talvez seja o maior desejo de homens e mulheres, quem já o viveu sabe que ao encontrá-lo somos mais do que duas unidades que se fundem e se tornam uma terceira, surge algo muito maior. Agora, é preciso dizer, estar num relacionamento é aceitar um dos maiores desafios do universo. Tendo isto em mente, andei pensando no que seria necessário para fortalecer o amor e os relacionamentos.

Penso que cada membro de um casal deveria fazer uma pergunta aos seus botões de vez em quando, principalmente, em momentos chaves, quando se quer muuuuito casar, quando algo parece não andar como a gente quer, ou quando eu acho que as mulheres são de Marte e os homens de Vênus, ou talvez o contrário…

A pergunta do milhão: o que eu espero do outro?

Espero que ele cuide de mim? Que me proteja? Que me alivie das agruras do dia a dia? Para não dizer que pague minhas contas…

Desejo que ele/a me ame e que esse amor me complete?

Desejo que ele/a preencha meu vazio existencial? Minha fome de vida?

Desejo que ele/a faça eu me sentir nas nuvens?

Se ele/a não me amar não sou nada? Penso que ele/a me amando, tenho motivos para me amar? Ou seja, desejo que seu amor melhore minha autoestima?

Se estas forem as respostas, cada um precisaria fazer uma nova pergunta – esta agora vale mais do que bilhões, vale o sentido da própria existência-, porque eu não consigo encontrar isso em mim? Por que não consigo cuidar de mim, por que não consigo lidar com os desafios do dia a dia, por que não consigo encontrar o meu próprio projeto de vida, por que não me sinto bem comigo mesmo e fico esperando encontrar isso no parceiro…

A gente fica cobrando, sentindo falta de uma coisa que não tem, mas será que é dever do outro provê-la?

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A grande mãe

A genética, há algumas décadas, desvendou a parte biológica da concepção, mostrando o longo e cheio de obstáculos percurso que o espermatozóide realiza à procura de um óvulo para fecundar, sendo que boa parte das vezes eles saem da toca e nada há do outro lado esperando.

Certo dia, algo acontece e os dois gametas se encontram, dando início ao mistério de uma única célula se dividindo para formar um novo serzinho. Procedimento complexo, na divisão formam-se tecidos com funções tão diferentes como a massa cerebral e o estômago. A natureza desenvolveu este método para sua criação.

A mulher empresta seu ventre para esta divina criação, em seu vaso-útero durante nove meses esta grande alquimia da vida vai se construindo. Nove meses de gestação, nove meses em que o bebê tem alimento, calor, proteção, um espaço só dele, bem a maioria, pois alguns chegam ao pares ou em trios. Até que esse espaço fica apertado, não comportando mais a expansão desta criatura, tal como a lagarta precisa se livrar do casulo para virar borboleta, o bebê precisa sair e, quando ocorre de forma natural, ele o faz apenas com a ajuda da mãe, o médico ou a parteira ficam só na supervisão.

Mãe e filha. Tribo Araweté (conhecida também como Bide) – Pará

Para o bebê trata-se de um exercício instintivo de luta pela sobrevivência, mas também de confiança. Nascer é uma entrada num universo desconhecido, sublime, nos liga ao divino que fornece a centelha da vida.

Na nossa espécie, os bebês não nascem prontos, muito pelo contrário,  chegam precisando simplesmente tudo, sem sequer identificar o que precisam, na total dependência de sua mãe que deve descobrir se ele tem fome, sede, frio ou doenças e proteger de todas as formas este serzinho tão vulnerável.

E isso é só o começo da história, pois o rebento precisa receber muitos ensinamentos, desde fazer xixi no piniquinho até matemática,  passando pela linguagem e pela distinção do certo do errado. Em suma, todos os elementos da cultura, suas ferramentas para a vida e para seu aperfeiçoamento moral. A mãe tem um trabalho diário de formiguinha, o pai também, é preciso dizer. Só no amor para dar conta do recado…

A maternidade inaugura uma relação para toda vida, o filho vai lhe fazer rir e chorar, pode rodar o mundo ou rodar no mundo, ele será sempre seu filho. E a sabedoria da grande mãe é continente, como a terra que espera o tempo da árvore para dar flores e frutos e sempre a tudo acolhe.

Parabéns a todas as mães do mundo e principalmente à minha, dona Patrícia, a minha mãe.

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“Ano novo, vida nova!”

Lembro que quando era jovem, chegava o fim de ano e com a minha mãe adorávamos ler o horóscopo, ver o que  ano entrante nos traria. Nas páginas das revistas encontrávamos coisas do tipo: Há boas oportunidades trabalhos entre julho e setembro; Vênus entra no seu signo em junho, quando você terá grandes chances de encontrar o seu amor; neste ano, preste atenção na saúde… Estou simplificando, mas era uma época em que eu ainda acreditava que o destino nos encontraria ali na próxima esquina.

Fim de ano em Copacabana, Rio de Janeiro

Naqueles anos, na noite da virada, com os amigos fazíamos inúmeras simpatias:  rosas debaixo do colchão para conseguir um amor, comer lentilhas e uvas para a prosperidade, um bilhete dentro do sapato para atrair dinheiro, dar a volta no quarteirão com uma mala para viajar… Queríamos tudo, afinal de contas, o futuro nos esperava.

Hoje, percebo que as pessoas constroem muitas expectativas para a virada do ano. Ano novo, vida nova! Será? Ao dar adeus ao ano que termina, desejamos nos despedir o chefe chato, do emprego maçante, da dor de cotovelo pelo amor que se foi, das notas ruins do filho na escola… enfim, de tudo o que não foi legal. Algumas pessoas gostariam que, de fato, a virada desse uma virada em suas vidas e os tirasse da mesmice.

Parece que desejamos um passe de mágica, tal como nos contos, ir dormir e acordar com o beijo de um príncipe.  Em lugar das dívidas, acordar com a conta cheia, encontrar filhos educados e ordeiros que preparam o café da manhã, em lugar dos bagunceiros e desbocados de todo dia.

Eu acredito na virada, mas hoje sei que não é o calendário, nem os astros, nem poções mágicas vendidas no mercado por diferentes preços, é a gente quem faz. Penso que a gente escolhe a direção e assim constrói o próprio caminho, o que nos prepara para a sorte que encontraremos na esquina, pois não adianta cruzar com o amor da vida se eu não souber reconhecê-lo ou não estiver preparada(o) para amar, nem sonhar com a prosperidade se eu fico sentadinho esperando  ela chegar…

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“A vida é um sonho…”

É o título de uma obra do escritor espanhol Calderón de la Barca, mas ouvi a frase nestes dias, dita por Oscar Niemeyer num documentário. Ele já bem velhinho contava sobre as coisas que gostava de fazer. Reunir-se com os amigos era uma delas, “fingimos que ainda somos jovens”, dizia ele.

Apesar de vivermos um tempo razoável e de nos acharmos muito espertos, não sabemos o que é a vida. Será um presente ou uma provação? Um jogo ou uma charada? Uma escola ou um hospital? Afinal, de sábio e de louco todo mundo tem um pouco, se diz por aí … Talvez tudo isso e mais um pouco.

Trata-se se de uma ilusão ou é real? Afinal, somos de carne e osso… Mesmo queimando nossos neurônios (e eles existem), não podemos chegar à resposta. O certo é que todo dia, ao acordamos, abrirmos os olhos e ao encontramos o nosso entorno conhecido, nos percebemos vivos, depois do banho, quando a sonolência se esvai, a gente sai para trabalhar e nem pensa mais nisso.

Se a vida é uma ilusão é uma ilusão cheia de encanto, não é à toa que desde a época de Ulisses, muitos se perdem nos encantos das sereias.

Se a vida for um filme, ele mistura ação, drama e até comédia.

Talvez a vida seja uma dança ou quem sabe um voo como o das borboletas.

Quem sabe, seja uma descida de montanhas repletas de neve num snowboard.

Quem sabe, seja uma grande viagem de navio, talvez numa jangada, sujeita a calmarias, balanços e tempestades. E nós, como marinheiros, vamos chegando a diferentes portos, fazendo entregas, encontrando amores, entrando em tretas, saindo delas ou fugindo com o barco a zarpar.

Rafting no rio Trancura em Pucon, Chile

Certamente o sentido da vida nos escapa e hoje creio que mais importante não é o que a mente nos diz, pois apesar de seus bilhões de neurônios, esta não alcança aquilo que sua lógica -que não ultrapassa o 2 + 2- não entende ou não vê.

Não sei se a vida dura um segundo ou uma eternidade, não sei se o que chamamos de vida é o todo ou apenas um fragmento. Como não sabemos nada, tudo é possível, tal como num conto chinês.  Creio que mais importante não é o que achamos, mas o saldo do que fizemos e sentimos ao longo da jornada.

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Na roda da vida

O dia de finados traz à memória os seres queridos que  já não estão mais entre nós, nossos ancestrais e, por todo o globo, há rituais para reverenciá-los.

Embora diariamente sejamos movidos por uma força vital, pouco nos detemos a pensar na vida. A biologia tem teorias explicativas bastante plausíveis, mas sem dúvida, trata-se de um mistério, o surgimento desta chama que se transmite de geração a geração. Louvar os ancestrais nos permite reverenciar aqueles que nos legaram essa chama.

Louvar os ancestrais também traz à memória todos aqueles que pisaram sobre a terra, gente que fez das tripas coração para sobreviver em paragens inóspitas ou então saiu caminhando rumo ao desconhecido para encontrar uma terra melhor. Na aurora da humanidade, nossos ancestrais foram caçadores nômades, que fugiam de predadores, depois quando a humanidade se assentou, a partir do desenvolvimento da agricultura, surgiu um novo estilo de vida, e com ele,  o desafio da vida em coletividade, no qual a lei de Talião -olho por olho, dente por dente- constituiu um avanço civilizatório.

Em pleno século XXI, num momento em que nossos pensamentos estão voltados para o presente que nos envolve e para o futuro que se descortina, considero importante lembrar que nossos genes carregam a memória daqueles tempos. Nosso sangue carrega uma tremenda força de luta e resistência de quem comeu o pão que o diabo amassou e tirou leite de pedra, como se diz por aí.

As lutas dessas gentes nos permitem estar neste mundo hoje, pisar o mesmo chão, navegar pelas mesmas águas, olhar o mesmo céu, as mesmas estrelas, respirar o mesmo ar e ver as mesmas montanhas. E permite a muitos travar suas lutas diárias contra a opressão, a manipulação, o engano e contra todas diversas e sutis formas de violência, buscando conquistar uma vida digna para nós, para os outros habitantes deste mundo e até, quem sabe, para as futuras gerações.

Em meio ao turbilhão das urgências, este post demorou uma semana para ser concluído, comecei meditando no dia de finados, mas acredito que todo dia é bom para pensarmos na Roda da vida, na qual o importante é a chama e passar o bastão, porque como diz o hino, “na senda da vida nós todos somos Um só.”

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A ilusão do olhar

 A forma mais básica de experimentar e conhecer o mundo vem por meio dos sentidos e, de todos, a visão parece ser aquele que mais confiamos, como apontam muitas expressões: “ver para crer”, “olhos que não vêem, coração que não sente…” A visão nos dá uma sensação de domínio do espaço, de um controle da situação e nós confiamos nessa ferramenta como garantia de verdade de nossa experiência.

Embora a física nos conte que enxergamos apenas uma fração do real, uma porção do espectro de ondas da luz, mesmo assim nos fiamos na visão. E se o que a gente enxergar da realidade for uma parte muuuito pequena mesmo, qual será o grau de verdade da experiência, mas também da consciência que temos das coisas? Esta questão acompanha o ser humano.

bosforo turquia

Em Istambul, Turquia, o estreito de Bósforo

Nossa racionalidade desenvolveu os pensamentos lógico-dedutivos, base do desenvolvimento da ciência, que permitiu o conhecimento de inúmeras regras do funcionamento do mundo. Além disso, no ocidente somos herdeiros de uma era que pensou que a razão, esta luz natural, nos tornaria senhores da natureza e, claro, de nossa própria natureza.

Homens e mulheres, 500 anos atrás, viam morrer misteriosamente boa parte da população e só podiam pensar que se tratava de alguma praga divina. Hoje, sabemos que se bebemos da mesma água na qual jogamos as fezes, ficaremos doentes, ao longo de séculos, populações inteiras foram dizimadas sem entender o porquê. Hoje, o povo não mais procura o padre para apaziguar a ira divina, vai ao médico.

E a medicina caminhou por outros campos também, um médico vienense na virada do século XX, o doutor Freud, descobriu que a parte que temos consciência da mente é como se fosse a ponta de um iceberg: há um universo muito maior que fica submerso, ao qual não temos acesso, apenas por lapsos ou sonhos. A hipótese da existência do inconsciente explica porque fazemos certas coisas sendo que conscientemente queríamos fazer outras… sabemos que não podemos pronunciar certos nomes ou palavras em certos espaços ou na frente de certas pessoas e damos bolas fora!

Sinto que, neste mundo solar e belíssimo -onde as coisas parecem ter uma lógica ancorada nas relações de causa e efeito-, tudo contribui para a gente ter esta ilusão do controle, inclusive, a própria visão confabula para construir esta ilusão, até porque o desejo de controle é uma das questões do nosso ego. Certamente, precisamos ter controle no que fazemos e dizemos, ao ter raiva de alguém, não podemos pular no seu pescoço. Ocorre que boa parte das pessoas sequer se contém, pula no pescoço, mas quer controlar os demais…

 O controle reduz o medo do desconhecido, o desconhecido não apenas nos incomoda: nos assusta. Há um medo mítico de perder o próprio eu, mas o que não sabemos é que uma parte do desconhecido somos nós mesmos, o nosso inconsciente e, na verdade, por mais que desejemos controle, a vida nos surpreende, pois temos uma jornada que nos é desconhecida. Para começar, assim como chegamos, partiremos.

Gosto mais da palavra atenção. Atenção aos nossos pensamentos e sentimentos. Curiosidade e coragem não apenas para olhar, mas também para enxergar o que eles querem dizer. 

grecia rodes

Ilha de Rodes – Grécia

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O mundo misterioso dos bebês

Nestes dias, meus estudos me levaram a olhar e pensar nos bebês. A gente vê aquelas coisinhas gostosas e frágeis que contêm um projeto de gente, tal como nós já fomos um dia e que se tornarão o futuro de nossa espécie.

Os bebês nascem e, mal sabem eles, começam seus desafios. Saem da barriga da mãe, aquele hotel, onde tudo era fornecido -alimento, imunidade e uma temperatura sempre constante- e, logo no primeiro minuto, eles precisam começar a se virar e respirar. “Cara, agora é contigo!”, parece dizer o mundo, não à toa eles choram.

De todos os animais, os bebês humanos são os que nascem mais incompletos. Uma girafinha e um hipopótamo andam nas primeiras horas, agora o bebê humano chega sem um aparelho sensório-motor pronto e sem completar a formação de seu sistema neurológico. Eles chegam munidos de reflexos, ferramentas da espécie, transmitidas geneticamente, para se virarem nos primeiros tempos, como o reflexo de sucção que lhe permite mamar. Alguns reflexos desaparecem nos primeiros meses, outros serão incorporados pelo uso.

Estima-se que se formam 250 mil células nervosas a cada minuto durante a gestação  e, no nascimento, a maioria das 100 bilhões de células do sistema nervoso já está formada, embora não completamente ativada. Logo ao nascer, o peso do encéfalo equivale a apenas 25% do peso de um adulto. O tronco encefálico, parte responsável pelo funcionamento de partes biológicas vitais, como a respiração, ao nascer já está desenvolvido, mas o cerebelo, responsável pelo equilíbrio e pelas funções motoras, se desenvolve no curso do primeiro ano de vida do bebê, sendo que o córtex apresenta-se como a parte menos desenvolvida, ele é responsável pela percepção e pelo complexo processo de pensamento e linguagem.

Embora o cérebro, o nosso computador central, chegue com uma minuciosa programação genética, ele pode ser “moldado” pela experiência, principalmente durante os primeiros anos de vida, uma vez que o material base –os neurônios- está presente, mas as conexões estão sendo construídas e as células que não são usadas ou não funcionam bem, morrem nos primeiros anos da criança. Ativar as conexões requer estímulos de todas as ordens: sensoriais, emocionais, cognitivos. Assim brincadeiras, cores, conversas, toques, histórias, tornam-se fundamentais para criança, pois tudo nela, no corpo e na mente, precisa se desenvolver. 

Sabe-se, hoje, que a desnutrição do feto ou durante nos primeiros anos pode provocar danos cerebrais e estudos com animais mostram que não experimentar certos eventos deixa marcas no cérebro. Isto nos leva a perceber as consequências trágicas da desnutrição e da falta de estímulo nas crianças: os cérebros não se desenvolvem em plenitude, ou seja, atrofiam. Este conhecimento nos torna responsáveis pelo cuidado com as futuras gerações.

Arte com bebês no Espaço nascente http://espaco-nascente.blogspot.com.br/

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Do Chile, uma história para a alma

mafalda 1A Mafalda me acompanhou na semana passada com os seus questionamentos. Em meio a lembranças suscitadas pelos 40 anos do golpe militar que dividiu o Chile e ainda provoca tanto sofrimento, reiteradamente vinha à minha mente pergunta desta argentina irreverente. Neste mundo tão errado, como fazer para confortar o coração e assim quem sabe aliviar a alma?

mafalda 2Há respostas individuais e coletivas. O conhecimento e o registro da barbárie em Museus da Memória permitem que não os apaguemos os fatos de nossa história. Se não diminui a dor, conforta saber que muitos caíram, mas sua memória não ficou vilipendiada na sarjeta. A consciência pode também funcionar como antídoto para novas ocorrências, o que não se sabe, nem se vê, quando menos se espera, reaparece.

Há também respostas individuais. Aqui aproveito para contar um pouco da trajetória de Michelle Bachelet, a nossa primeira mulher a chegar à presidência da República. Filha de uma arqueóloga e de general da Força Aérea, que foi acusado de traição à pátria e morto nos porões da ditadura em 1974. Nesses anos, ela cursava medicina na Universidade de Chile e passa a apoiar o Partido Socialista que estava na clandestinidade desde o golpe. Em 1975, junto com a sua mãe será presa e torturada, depois de um ano na prisão partem para o exílio, ela encontrará acolhida na Alemanha Oriental. Em 1979, retorna ao Chile, onde conclui o curso de Medicina.

Ao longo da década de 80, enfrenta dificuldades para exercer a profissão no serviço público, seu nome desperta desconfiança, mas trabalha de forma voluntária na ONG Protección a la infancia dañada por los Estados de Emergencia, que fornecia apoio aos filhos das vítimas do Regime Militar.

Com o pai, Alberto Bachelet

Nos anos 90, inicia estudos na área de defesa, destaca-se em 1996 como a melhor de sua turma na Academia Nacional de Estudos Políticos e Estratégicos, como prêmio ganha uma bolsa da Presidência da República para estudar no Colégio Interamericano de Defesa em Washington DC, nos EUA.

Daí sua história é mais conhecida, participa do governo de Ricardo Lagos, da Concertación, primeiro como Ministro da Saúde e depois ocupa a pasta de Defesa, primeira mulher a ocupar este cargo no país, depois será eleita presidente da República, cargo que ocupa até 2010, isto para resumir a biografia política.

No Chile, não há reeleição, mas neste ano, 2013, ela está concorrendo para um novo mandato. Ironia do destino, disputa com a filha de um general que participou do golpe militar e esteve à frente da Aviação durante o governo Pinochet.

Na semana passada a vimos à frente de manifestações pela memória das vítimas do regime militar. Poucas pessoas já passaram por momentos tão dolorosos como ela, mas hoje torna-se um exemplo de mulher cuja vida foi bem maior do que a sua dor.

Em 2013 liderando uma homenagem às vítimas do golpe.

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Lembranças do grande arquétipo do feminino

Amazona

Neste mundo, no qual as mulheres fazem tudo o que os homens fazem, trocam lâmpadas, constroem pontes, são cientistas, entre outros, muitos se perguntam, qual seria a essência do feminino? O que caracterizaria a própria mulher? No plano simbólico, o elemento central do feminino é o vaso. O próprio útero pode ser pensado como um vaso invertido, o vaso que acolhe a semente e a transforma em criação-criatura.

O vaso comporta diferentes usos e funções. Existe o vaso-recipiente que preserva, contém e protege, por sua vez, o vaso-alimento nutre o nasciturno, mas sem dúvida o atributo mais misterioso é sua possibilidade de gerar vida e parir.  A criação, o lado numinoso, o mistério que nos vincula ao sagrado.

Cultura mexica (Astecas)

A fabricação da cerâmica desde os primórdios era uma tarefa da mulher, a magia da terra  e da água que se transformam com o poder do fogo. Por sua vez, a transformação que se processa em seu interior o ligam ao irromper, nascer, à movimentação criativa. Crianças, pensamentos, arte vem à luz do interior obscuro deste corpo-vaso-ventre. Mas também a transformação da menina em jovem e depois da jovem em mãe.

vaso2Os antigos colocavam o corpo ou as cinzas num vaso-urna funerária, para que estes ficassem guardados, assim como se chegou ao mundo. O vaso, um recipiente feito a partir da terra recebe aquele que se foi de volta para si, tal como a mãe terra, que nos nutre nesta vida e depois da morte nos acolhe.

Recipiente cujo interior é desconhecido, tal como a alma da mulher, foi associado a uma caverna  protetora e  porta de entrada da montanha. No plano simbólico, a caverna e a montanha representam a forma natural de símbolos como o templo e da casa.

Todos estes elementos o ligam à personalidade arquetípica da mulher, tornam-se o fundamento de sua grandeza, a sua contribuição particular na relação com o masculino, central na manutenção da espécie, mas também na transmissão da cultura, algo que nos torna humanos.

atena vasNos dias 8 de março lembramos as conquistas das mulheres, penso que uma conquista ainda por vir é a do seu feminino. O útero é responsabilizado pela TPM,  o sangue ficou associado à impureza e ainda hoje, em alguns espaços, vemos mulheres sendo discriminadas no trabalho, porque engravidavam. Sem contar que na busca em se igualar ao homem, o corpo-vaso anda um tanto malbaratado, mais parece um vaso sem alma.

A conexão da mulher com o seu feminino começa pelo entendimento de seu vaso, de suas águas e da terra que o conforma, passa pelo desvencilhamento dos preconceitos apreendidos até se chegar à reconquista de sua dignidade. Ainda temos um trecho a percorrer.

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O encanto chega com as ondas do mar

Não há quem não se renda aos seus encantos, a sua majestade chama a reverenciá-lo, mas também a ser cuidadoso. Profundo, fértil e misterioso, o mar. Das águas marinhas, descendem Yemanjá e Afrodite, duas deusas que trazem facetas de seu poder.

Proveniente da mitologia Yoruba, Yemanjá é a guardiã dos mistérios da fertilidade e do amor, grande mãe, de coração caloroso a todos acolhe. O fluir de suas águas dissolve as dores e tristezas de homens e mulheres, confortando todo aquele que busca sanar suas mágoas.

Do panteão olímpico grego, chega Afrodite, aquela nascida das espumas do mar, representa o amor primordial e a fecundidade. Seus atributos divinos, alegria, sensualidade, beleza e graça, a tornam irresistivelmente encantadora.

As duas senhoras cada uma a sua maneira, chamam a cultuar a beleza, a cultivar a alegria e celebrar diariamente a vida.

Afrodite voando em um ganso, do séc. V, encontrada em Rodes

É tão forte a simbologia do mar que uma versões da etimologia do nome Maria remete a “oceano”, sendo assim, a Virgem Maria, a mãe de Deus, seria uma continuidade cultural destas antigas deusas do Mediterrâneo.

Em fevereiro, vale ouvir o fluir das águas, se possível, visitar o mar, passear pela praia e, por que não, celebrar a vida, tão sublime, poderosa e intrigante como o mar.

Yemanjá – dia 02/02

Afrodite – dia 06/02

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Desejos para 2013

2012 chega ao fim, sinto que já não era sem tempo, pois foi um ano bastante conturbado, por onde a vista alcançava, o mar não estava para peixe, só se via aquele tempo sujeito a trovões  e trovoadas.

Relâmpagos e um eclipse lu­nar no Mar Egeu, de Chris Kotsiopoulos

Espero que esta maré tenha nos ensinado não apenas a navegar nas tempestades, mas também novos talentos. Espero também que tenhamos aprendido muito sobre nós mesmos, sobre a vida e seus ciclos.

Como depois da tempestade vem a bonança, desejo a todos um 2013 repleto de ideias criativas, de projetos que semeiem boas coisas para o planeta, de realizações para que cada um se sinta revigorado com seu trabalho e obtenha muita prosperidade.

Desejo muuitos aprendizados e que eles se transformem em sabedoria para tornar a nossa vida mais tranquila e plena. A gente aprende a cada dia, principalmente com aqueles que estão ao nosso lado, companheiros, parceiros, amores, filhos, pais, amigos, colegas, chefes etc. por isso, desejo que cada um possa aprender com esses professores que nos acompanham pela jornada.

Desejo mais consciência para cada um de nós, com nossas palavras, ações e até pensamentos. Medir as palavras e ações impede-nos de ceder naquele instante ao impulso do qual podemos passar a vida toda nos arrependendo…

falucaDesejo muita harmonia para todos os relacionamentos e todas as famílias.

E, por último, mas longe de ser menor, muito amor para irradiar a todos aqueles que cruzam pelo nosso caminho.

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Carta a meu pai

Hoje é o aniversário do meu pai. Reproduzo aqui fragmentos de uma carta que fiz para o Sr. Alfredo.

A cada ano a terra gira e chega novamente nosso aniversário. Quando somos pequeninhos nos alegramos com os parabéns, os presentes e o bolo, ao crescermos para muitos o aniversário fica sem sentido, “coisa de criança”.

Eu gosto dos aniversários, pois eles nos lembram o nosso nascimento. “Um dia como esse, um tempo atrás eu chegava neste mundo”. Hoje acho que a vida é o próprio presente, por mais que muitos não percebam e outros tantos passem a vida sofrendo.

Acredito que a vida é uma oportunidade. Para quê? Não sabemos ao certo.

Acho que tem a ver justamente com a possibilidade de estarmos juntos, passando pela experiência de filha/o, de pai, de amiga, irmã, marido (esposa) e tudo o mais, camelando e se alegrando com cada conquista, passando por frustrações, incompreensões, pela doença, mas também pela calorosa sensação do amor. Se alegrando, se entristecendo, tudo e mais um pouco

Também penso (com os junguianos)  que a parte consciente, a que acorda todo o dia sai para trabalhar, não sabe, mas uma parte mais interna (inconsciente) que para alguns se chama alma, sabe. Ela vem com um propósito, mas trata-se de um enigma para nós mesmos. Como a pessoa não sabe a que veio, para muitos a vida não tem sentido, outros passam se distraindo na ilusão dos prazeres (drogas, sexo, poder etc.), alguns engatam naquilo que imaginam correto, se dividem entre o trabalho e a família e aí podem passar décadas.

Quando a gente está firme e forte, trabalhando a mil, dificilmente se faz muitas perguntas (existenciais), pois está com a mente muito ocupada. Agora quando a gente precisa parar, principalmente para cuidar da própria saúde, tudo ganha uma nova perspectiva. Olha-se para o percurso, não se sabe ao certo o que ainda está por vir, pensa-se no tempo. E o tempo é o ouro desta vida

Como  entender os desafios da vida? Só vivendo, mas os aniversários nos lembram da roda que gira, das chegadas, das partidas e das transformações, a vida pode não ser do jeito que a gente quer, mas tem uma sabedoria no jeito de ser. Basta crer para ver.

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A vida não tem GPS

Nestes dias vivi uma situação inusitada como professora. A mãe de uma aluna que reprovou marcou uma reunião comigo, logo pensei que ela pediria para aprovar sua filha. Só que a “menina” tem 23 anos, cursa seu último ano faculdade e não realizou seu trabalho de conclusão de curso (TCC), cujo tema ela mesma escolheu. Ela viera na véspera, conversáramos, perguntei-lhe, entre outros, como ela se sentia nessa idade vendo a mãe na sua faculdade. Ela me responde dando de ombros:

– Sempre foi assim, no pré, na escola, no ensino médio, ela paga, ela quer acompanhar…

A mãe, para minha surpresa, longe de pedir nota, queria mesmo é falar. Conta que antes do curso, a jovem começara publicidade e outras carreiras, sem terminá-las.

– Eu e o pai já decidimos que agora ela vai terminar! Ela não sabe, mas no futuro vai nos agradecer por isso, ela já nos prometeu que vai terminar!

A jovem abandonara o TCC, mas em casa fingia estudar, até que um dia passou mal, foi parar no hospital, então ela contou que a origem do problema era tensão, pois não se formaria, contrariando a expectativa familiar.

A angústia da mãe saltava aos olhos, ela mesma teria feito o TCC para a jovem obter o seu diploma, mas não se dava conta que ela estava lidando com a filha como se ela ainda fosse uma criança, ou seja, estava longe de incentivá-la a caminhar com os próprios pés e a conquistar sua autonomia, pelo contrário, no que a mãe “tomava conta”, a própria jovem não “tomava conta” de sua vida. Lembrei-me daquela frase dos pais, “filho não vem com manual”.

Certamente há outros elementos envolvidos, mas me levou a refletir sobre a “distorção” do nosso olhar. A filha não vê o que acontece com sua vida, nem sabe porque faz o que faz; a mãe quer ajudar, contudo sua ajuda mais atrapalha, pois ela não enxerga a filha e, muito menos, a si própria.

E eu fiquei me perguntando, será que eu enxergo os meus próprios desafios? O do outro a gente imagina ver e “sabe” tudinho o que ele deve fazer, mas e o nosso? Será que a gente sabe? A vida não tem GPS.

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No México, el día de los muertos

O día de los muertos é uma celebração cuja tradição remonta às práticas de todas as populações nativas do continente. Maias, Astecas, Quetchuas, Mapuches, Guaranis, assim como todas as outras comunidades realizavam rituais de culto aos mortos, no sincretismo com o catolicismo, fizeram-na coincidir com o dia de Finados de 2 de novembro.

O ciclo da vida e morte sempre tem causado admiração, incerteza e porque não dizer, medo, entre os humanos. No México, se acredita que as almas voltam neste dia, por isso lhe são oferecidas uma grande festa com uma mesa farta, elas muito contentes, depois vão embora.

Todos os povos criaram tradições para venerar, honrar, espantar, quando não brincar com a morte. Esta celebração nacional Mexicana foi declarada Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Unesco.

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As tabuadas da vida

Sabe aqueles dias que viram semanas (quando não se transformam em meses), em que a vida mais parece escola em fim de semestre, cheia de exames e, a cada dia, uma matéria diferente? E a gente no sufoco precisa mostrar a matéria que aprendeu. Se aos 10 anos sofremos com as tabuadas, depois com geometria ou genética, na faculdade com os desafios como erguer um prédio ou operar um paciente. Na vida, a prova dos nove é o teste da consciência, da verdade e da justiça.

Da consciência em todos os nossos sentimentos e ações.

Da responsabilidade por nossas ações e pensamentos.

Da prática que cobra a verdade do nosso discurso.

O problema é que muitas vezes andamos no automático repetindo velhas ideias que já se descolaram da experiência ou então vamos agindo como um autômato, aquela máquina sem consciência.

As provas estão aí, pois vivemos numa escola que testa as nossas escolhas. E cada um tem as suas. Bem vindo!

 

Firmeza no pensamento

Para seguir no caminho

Embora que não aprenda muito

Aprenda sempre um bocadinho.

(Mestre Irineu)

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Comida, você tem fome de quê?

ImagemNesta poesia, um sucesso do álbum Jesus não tem dentes no país dos banguelas, de 1987, os Titãs nos lançam uma grande questão: você tem fome de quê? 25 anos se passaram, hoje, nos centros urbanos, a comida é farta, para quem pode pagar, mas proliferam os distúrbios alimentares: da obesidade mórbida à anorexia. A maioria das mulheres vive em briga com a balança, fica comendo só alfacinha -olha que eu adoro as alfaces- e o mais grave, meninas magérrimas se acham gordas e se recusam a comer ou então enganam que comem, vão ao banheiro e ahh…

ImagemA privação da nutrição contrasta com a luxúria da oferta. Há tanta coisa disponível… doces, salgados, sapatos, celulares, programas na TV, “amigos” no facebook, no twitter.

Consumir tornou-se um imperativo. Muitas mulheres vão às compras, sem saber como, nem porque, detonam o cartão de crédito, esbanjam no guarda-roupa, mas se torturam em dietas e no cabeleireiro. Mesmo com tudo isso não se sentem belas.

Será que existe uma fome na existência que nem o caviar conseguiria aplacar? A comida é vista como problema, mas será que o problema não é  o alimento da alma? Qual tem sido a nutrição das nossas jovens? Televisão, velhos programas escolares, maratonas de cursos, drogas? Neste mundo transbordante de coisas, mas carente de sonhos e utopias, respeito e compreensão, talvez maior seja a fome da alma. A tirania do modelo mulher alta e magra é perversa para quem ainda não tem muito discernimento para fazer escolhas, a beleza tem milhões de formas, cores e atitudes. Entre negras, morenas ou loiras, altas e baixas, tagarelas, tímidas, espalhafatosas ou silenciosas, a alma talvez busque afeto, atenção, aceitação, expansão e alegria.

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O que não é ilegal, nem imoral, nem engorda

 Nesta semana, com algumas amigas discutíamos sobre os papeis da mulher hoje, conversa vai, conversa vem, nos perguntamos, o que busca a mulher? Choveram idéias: consciência, desenvolvimento profissional, reconhecimento, harmonia, qualidade de vida, equilíbrio, amar e ser amada, enfim.

Ao analisar nossa lista percebemos uma significativa ausência: o prazer. Em meio às batalhas do cotidiano parece heresia pensar em prazer e, se em cada uma de nós há uma guerreira buscando dar conta das mil urgências, como achar espaço para curtir a vida?

A ideia chega tão contaminada que se torna difícil pensar nela. É preciso lembrar que desde os primórdios, as mulheres fizeram parte dos botins de guerra e seus corpos ficavam a serviço do prazer dos homens, que quando vencedores entravam nas cidades saqueando e estuprando.

As religiões patriarcais como o judaísmo, o cristianismo e o islamismo aprisionaram o corpo, pois o desejo e sua realização, o prazer, tornaram-se responsáveis pela queda do homem. Nesse sentido, a prostituição foi vista como um mal necessário, para preservar a santa esposa. O prazer era coisa de puta.

No século XX, a mulher se apropria de seu corpo e do seu destino, muito bem, passamos uma borracha em tudo o que se aconteceu e agora ficou tudo certo? Acho que não, porque os corpos ainda sofrem.

Em pleno século XXI, boa parte das mulheres ainda sente as consequências de uma educação repressiva que exigia o controle das pulsões e esconder o corpo dentro de roupas fechadas e apertadas, muitas ainda usam seus corpos como instrumento de poder (seja para sacanear o marido ou para conseguir uma promoção) e outras se torturam em cirurgias ou não comendo, na busca de se adequar a um padrão de beleza que não calça com o seu tipo físico.

Grupo Corpo. Foto José Pederneiras

Nos esquecemos que a vida pulsa através do corpo: de todos eles. O corpo nos contém, nos protege, nos preenche de sensações, nos ergue, nos dá o aqui e o agora, nos impulsiona, nos faz caminhar, nos faz voar. Através dele somos graça, alegria e sensualidade. E caminhar com prazer não é ilegal, nem imoral, nem engorda, é uma salutar dever.

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